sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Arranjo Musical [1] Origem

Maestro Cipó
  • Dentre as diversos etapas que compoem o processo de criação musical, o arranjo é sem dúvida o menos privilegiado pelos estudos acadêmicos, em especial no campo da História. As dificuldades encontradas pelos pesquisadores que se embrenham por essa seara são inúmeras, a começar pela complexidade do objeto. A ela se somam a escassez das fontes e a inexistência de um aporte teórico-metodológico específico para sua análise. Neste post, propomos traçar um breve panorama histórico, sobre esta arte e suas principais etapas de evolução ao longo da história na música.

O Que é Arranjo?

Arranjo, em música, é a preparação de uma composição musical para a execução por um grupo específico de vozes ou instrumentos musicais. Isso consiste basicamente em reescrever o material pré-existente para que fique em forma diferente das execuções anteriores ou para tornar a música mais atraente para o público e usar técnicas de rítmica, harmonia e contraponto para reorganizar a estrutura da peça de acordo com os recursos disponíveis, tais como a instrumentação e a habilidade dos músicos.

  • O arranjo pode ser uma expansão, quando uma música para poucos instrumentos será executada por um grupo musical maior como uma orquestra ou grupo coral. Pode também ser uma redução, como quando uma música para orquestra é reduzida para ser tocada por um conjunto menor ou mesmo por um instrumento solista. O músico responsável por esta atividade é chamado arranjador.

Origem do Arranjo Moderno

O arranjo musical, tal qual hoje o concebemos, surgiu na Europa, na segunda metade do século XIX, como uma forma de transpor para a linguagem pianística obras consagradas para a escritura orquestral ou, no caminho inverso, orquestrar peças originalmente concebidas para instrumentos solistas ou para pequenas formações.

  • Originalmente aplicado à — música de concerto, "o recurso foi rapidamente incorporado pela chamada — música ligeira" e aquela realizada em ambiente doméstico, tornando-se prática bastante comum. Alguns autores identificam, nesse momento, o início do processo que Adorno denominou —regressão da audição“ (Adorno, 1975). Max Weber, por exemplo, apontou que a —vulgarização“ da arte musical teria ocorrido no final do século XVIII, intensificando-se no XIX, justamente com a popularização do piano, um —instrumento doméstico burguês“ que, muito antes do fonógrafo, tornara-se um meio de difusão musical de massa (1995:148).

O arranjo moderno, entretanto, surge apenas no século XIX, determinado, de um lado, pela valorização dos diferentes timbres instrumentais, e, de outro, pela popularização do piano. Ele indica a transposição de uma composição para um meio diferente do original, ou ainda a elaboração ou simplificação de uma peça sem alteração do meio. Isso implica o reconhecimento do material composicional original (harmonia, melodia) e da autoria da peça.

NOTA:

  • Embora o arranjo moderno tenha surgido na segunda metade do sec. XIX, na Europa, muito antes as melodias usadas nos corais do período Barroco, como também nos prelúdios corais, por exemplo, são arranjos elaborados dos cantos gregorianos. Johann Sebastian Bach é conhecido internacionalmente como um dos maiores arranjadores na História da Música. Ele recebe justos créditos como compositor, mas Bach utilizou temas melódicos populares e hinos usados na Igreja, durante os ofícios do período medieval para suas obras.
  • Bach também usou concertos escritos por ele próprio para arranjá-lo para outros instrumentos, como no caso do Concerto para Oboé e Violino em ré menor, transformado no Concerto para dois pianos em dó menor, que nada mais é do que um arranjo musical aonde Bach transpõe a melodia de cada instrumento, arranjando para o outro novo concerto - Ambos são classificados BWV 1060. Isto foi, por muitos anos, algo muito praticado visto que os compositores tinham a necessidade de compor muito rapidamente e, por falta de tempo, freqüentemente não usavam temas originais, mas sim temas pré-existentes para transformá-los numa nova obra — que não passava de um arranjo musical .
  • A famosa Ária da quarta Corda da Suite número 3 de Bach, BWV1068, é também um Concerto para Flauta e orquestra de Bach. Bach também usou pelo menos um tema de Vivaldi, assim como Villa-Lobos e Stravinsky usaram temas de Bach para arranjá-los em novas obras expandindo o tema melódico pré-existente. Franz Liszt também fez muitos arranjos assim como Wolfgang Amadeus Mozart, Franz Schubert, Frédéric Chopin e muitos outros.

O Arranjo no Brasil

No Brasil do século XIX, diversas obras orquestrais, como concertos, óperas e sinfonias, entre outras peças românticas, logo penetraram os lares burgueses, os salões e as praças, na forma de pot-pourris para piano ou para banda (Mammí, 1999:3). Ao lado delas, maxixes, tangos, habaneras, fox-trots, ragtimes, sambas e outros gêneros populares, também adaptados para a linguagem — pianeira, tornaram-se os principais sucessos de vendas de partituras, invadindo a cena musical brasileira.

  • O surgimento e a expansão das rádios no Brasil, por sua vez, estiveram intimamente ligados à construção de uma linguagem orquestral na música popular, sobretudo nos anos 40 e 50. Num momento em que praticamente todas as emissoras eram dotadas de orquestras próprias, para as quais eram escritos arranjos inéditos, os orquestradores desempenharam um papel importantíssimo na construção de uma —sonoridade brasileira“. Fazem parte dessa geração nomes como Radamés Gnattali, Léo Peracchi, Gaó (Amaral Gurgel), Edmundo Peruzzi, Alberto Lazzoli, entre outros.
  • Tais arranjadores foram os responsáveis pelo processo que José Miguel Wisnik denominou a —sinfonização“ da música popular. Iniciada no âmbito da música erudita, e tendo entre seus principais representantes o compositor Villa-Lobos, que —trouxe para a moldura do concerto a música dos espaços populares (Wisnik, 1982:164), o processo de sinfonização nacionalista acabou por invadir também o espaço da música popular, através, por exemplo, da introdução de cordas nas orquestrações do samba. Pretendia-se, com isso, educar a escuta do povo brasileiro, por meio de uma sonoridade o mais próximo possível da chamada música de concerto. Tal aspiração—erudita foi perpetuada nos anos 60 pelo movimento da chamada Bossa Nova e seus seguidores.

Arranjo Erudito X Arranjo Popular

Em matéria de arranjo musical a relação da realidade musical erudita se da de forma diferente com a realidade da música popular. Enquanto que na chamada música erudita o arranjo tem a função de facilitar a execução (e a escuta) de peça, acabada, adaptando-a para ser executada em condições inferiores à que foi planejada, na música popular o intuito é justamente o oposto: o arranjo fornecer ao gênero popular (geralmente a canção), concebido como melodia acompanhada (ou por um único instrumento harmônico, como o violão), uma densidade sonora que originalmente não existia.

  • Este post visa fundamentalmente contribuir de alguma maneira no sentido de resgatar e atribuir a devida importância à tarefa do arranjador, que muitas vezes é considerada como atividade menor na prática musical, no entanto, assume um caráter de fundamental importância ao longo da história da música popular ocidental pela produção de obras representativas do repertório que nos foi legado, muitas vezes com linguagens muito próxima entre erudito e popular.

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